Da Conexão Terra, para o presente, entrevista com JAIDELSON MAURÍCIO DE SOUZA – com pdf da Prismarte #67 grátis

 


JAIDELSON, entrou na PADA em 1986, na primeira formação, e ficou no grupo até início da década de 90. Casou em 1995 com SILVIA MARIA MACENA, que fazia parte desta primeira formação da PADA. A partir dessa época, de 1996 em diante, foi quando fez sua última hq, MEDITERRÂNEO, que está na PRISMARTE #66. Trabalhou na Listel, como arte finalista para lista telefônica até 2002. Mas nunca deixou de ter ideias e de desenhar aqui e ali. Sempre rabiscando alguma coisa. Nesse tempo, seguindo a vida com esposa, SILVIA, continuou desenhando, ela no estilo dela e ele no seu estilo.  Depois de 2002 dedicou-se a fazer ilustrações para eventos, para uma determinada empresa, em trabalhos tais como, Camarote do Galo, Camarote da Globo, Reveillon de vários resorts e shoppings, e por aí vai.

Em 2020, infelizmente, depois de 25 anos de casado e mais 5 de relacionamento, SILVIA faleceu(dedicamos um artigo: Homenagem a Silvia Maria de Macena, primeira presença feminina PADA – *26/02/1968 +12/10/2020 ). No mesmo ano de 2020, após tantos anos sem contato com o a PADA, o reencontro aconteceu inicialmente pelas mídias sociais, que culminou com as visitas de MILSON MARINS e ANDRÉ GOMES.

“Foram 30 anos de vida juntos(Silvia). Agora estou me reinventando e trazendo de volta a juventude dos quadrinhos pra minha vida. Pintando capas e aplicando o que eu aprendi nesses anos de profissão em várias áreas. Os dinossauros voltaram com toda força. A jovialidade de tempos áureos voltou com toda força pra fazer acontecer. As mídias que aguardem. Estamos de volta.” Jaidelson M. S.

Cartaz promocional da Prismarte #1 - 1994

Cartaz promocional da Prismarte #1 – 1994

Nesta entrevista, MILSON MARINS e JOSÉ VALCIR, tem a oportunidade de deixar que JAIDELSON apresente-se ao leitor, falando de suas experiências e influências no mundo dos quadrinhos. E uma análise crítica sobre a pasteurização e rumo das HQs atuais.
Boa leitura.

Os anos de 1980 e 1990 foram o BOOM dos quadrinhos no Brasil, e no Mundo. Com lançamentos de muitas Graphics Novels e de títulos nacionais. O que o motivou e o motiva até hoje em produzir historias em quadrinhos?

Jaidelson: Sempre fui fã de quadrinhos. Aliás, comecei desenhando, ainda criança, os personagens Disney. Os anos de 1970 e 1980 foram à era de ouro em roteiros e desenhos. Eram textos simples e diretos, mas com aventura garantida. As Graphic Novels vieram para mostrar uma arte nova. Há um artista brasileiro que fiquei fã logo de cara, Mozart Couto. Isso me deu mais motivos para desenhar. Eu sempre vi quadrinhos como cinema: boas tomadas, bom roteiro e bons personagens. Para mim, um filme tem que divertir, não precisa ser filosófico. Isso me mantém motivado até hoje, novas técnicas de desenho, uma boa pintura e uma boa diversão para quem lê. E também para mostrar minhas ilustrações para o mercado de Design Gráfico.

Você fez parte de um grupo de jovens autores que não se contentaram em serem apenas leitores, mas tornaram-se protagonistas da própria produção de quadrinhos locais. Depois de 37 anos, o que mudou e o que muda no seu método de produção?

Capa da Ceoquis dos anos 90, desenhada e colorizada por Jaidelson

Capa desenhada e colorizada por Jaidelson

Jaidelson: Paciência. O que mudou pra mim foi ter paciência em fazer bem feito. Boa pesquisa, sempre aprender técnicas novas e usar da melhor forma possível. Nós tínhamos um sonho em fazer quadrinhos, de olho no mercado. Esse sonho nos acompanha até hoje, mas com um foco diferente, mais profissional, voltado primeiramente a mostrar nosso trabalho em Design.  Sim, produzir quadrinhos nada mais é do que aplicar diversas vertentes do Design Gráfico na produção, e isso a gente aprendeu nesses 30 e poucos anos de experiência nas áreas que atuamos. E outra coisa importante, que eu já pensava na época, produzir em equipe. Agora somos maduros o suficiente pra assumir nossos papéis numa produção em equipe. Um filme não é feito apenas pelo diretor, uma HQ também não é feita apenas por uma pessoa. Até é sim, mas em equipe o trabalho fica mais dinâmico.

Temos o dilema dos quadrinhos autorais (o que eu quero fazer), e a produção orientada ao que o leitor quer ler (gêneros ou métodos). Como encara isso? E qual sua posição sobre isso?

Jaidelson: Pra mim não existe o que o leitor quer ou não quer ler. Nunca pensei assim. Não importa o gênero. Tem que ser bem feita no completo, roteiro, desenhos e cores. Vamos citar alguns nomes: Jon J. Muth, excelente artista que fez, o que para mim, foi a mais bela adaptação em graphic novel em aquarela: Drácula, Sinfonia da Meia Noite, gênero terror da Marvel. Mas ele é excelente em quadrinhos do Surfista Prateado e em outros gêneros. Sua arte é bem vinda em todos. Mike Mignola, Bram Stoker’s Dracula (terror), Hellboy (aventura e suspense), Batman (aventura/herois). Bill Sienkiewicz, Moby Dick (clássico da literatura), Elecktra e Demolidor, Novos Mutantes (aventura). Bernie Wrightson, Frankstein (terror), heróis Marvel e DC (aventuras). Jean Paul Leon, um dos meus artistas favoritos da atualidade, pinceladas simples e realistas, Terra X (aventura) e outras Hqs policiais. Moebius: Tenente Blueberry (western), Incal (ficção e fantasia). O que eles têm em comum? Qualidade nos trabalhos e na arte, mesmo em gêneros diferentes. E não foram feitos pra um público pelo gênero de suas estórias, mas a arte trouxe todos os públicos para ler seus trabalhos. Coloque qualquer um desses artistas em qualquer gênero, eles vão ter leitores em todos.

Em uma produção de série, ou uma obra de grande volume de páginas, a parceria: roteirista e desenhista funcionam melhor? Se sim, por que funciona? O que espera de um roteirista de obras de grandes volumes de páginas?

Jaidelson: Em primeiro lugar, muito debate entre os dois, uma troca de ideias completa para se formar um arco de roteiros bem elaborados. Como falei antes: é como um filme: roteiro, ensaio, storyboards, e por aí vai. Quando se define toda a série, aí, sim, se pode começar a produção. Assim não se tem dúvidas e o caminho se torna mais fácil. Uma produção linear, em dúvidas e sem mudanças drásticas. Um roteirista sabe o caminho a dar para o projeto e o desenhista mostra o resultado de sua idéia. Tem que ser assim. Não que um desenhista não possa escrever algo, um curta, lógico que pode. Mas prefiro os dois. E se tiver um artefinalista e um colorista, fica ainda melhor.

Autores como Eduardo Schloesser, percebo que ele tem quase uma simbiose com seu personagem, o Zé Gatão, por isso o personagem ganha vida, ganha fã e convence. No passado Harold Foster, com o Príncipe Valente, foi um dos precursores dessa alma autoral. Você acredita que os melhores personagens ganham vida porque os autores, roteiristas e desenhistas vivem o personagem, tornam-os mais reais e menos previsíveis?

Jaidelson: Sim, acho que seja um dos fatores. Veja Príncipe Valente, e, atualmente, não tão atual, Drunna de Serpieri, são autênticos, diferentes e bem trabalhados. Criaram empatia com o público. Quando os personagens ganham o gosto do leitor, eles se tornam agradáveis de ler. Previsível não me diz muita coisa. Autenticidade é a chave, diferenciar e mostrar algo novo. Se eu fosse falar de previsível, vejam os filmes de ficção, muitos são sobre a terra acabada numa catástrofe nuclear. O Livro de Eli, Mad Max, entre tantos outros, tratam de uma Terra pós-apocalíptica. O tema é previsível, mas a narrativa e como contar a estória é que define a autenticidade dos personagens. Roteiros de Zumbis, Apocalipse e Catástrofes são totalmente, em sua maior parte, previsíveis, mas como se conta é a diferença.

Como todo bom profissional, ao iniciar um projeto, ele segue um processo de pesquisa, recolhimento de material, basicamente. No seu caso, qual é o seu processo criativo?

Cenas de Mediterrâneo - Prismarte #66

Cenas de Mediterrâneo – Prismarte #67

Jaidelson: Primeiro vem à idéia, “o que eu quero contar?”. Depois pensar nos personagens, fazer rascunhos, figurinos, em que época. Depois onde vai ser ambientada? Local real ou fictício? Depois pesquisa de cenários, tipos de tecidos para os figurinos. Mas antes de tudo, criar um roteiro e uma idéia concreta com início, meio e fim. Depois, recolher imagens de referência e pesquisar, caso tenha algum fato histórico ou científico a ser explorado, e estudar sobre os mesmos. Se eu for fazer alguma HQ que envolva mitologia, vou pesquisar e ler sobre o assunto; se for  no espaço, vou ler sobre o que se pode ou não fazer no espaço; se for no mar, pesquisar sobrae náutica. É assim que eu faço. Hoje em dia com mais detalhes, muitas vezes mesmo antes do roteiro e da criação dos personagens. Mas essa ordem não é exata. Posso ter uma idéia apenas assistindo algum documentário e, a partir daí, começo a pensar.

As historias em quadrinhos é uma arte dinâmica, sempre se reinventando, seguindo tendências, adaptando-se ao meio. Desde os primeiros quadrinhos da RGE e Editora Abril, especificamente, quem mais influenciou seu estilo de escrever e desenhar quadrinhos?

Jaidelson: Escrever nem tanto porque temos muitos bons escritores e minha prática em escrever tá meio enferrujada, mesmo tendo vários textos da década de 1980 e 1990 guardados, bem básicos, mas que podem ser revistos. Mas no desenho tenho vários.  John Buscemna é o meu livro de cabeceira, John J. Muth, Jean Paul Leon (ao qual me identifico pelo estilo), Bill Sienkiewicz, Bernie Wrightson, Alex Ross, Frank Miler (esse me chamou por mostrar sequências de cinema nas HQS, vejam Demolidor), Moebius, Milo Manara, Frank Frazetta, Jayme Cortez, Mike Deodato (o qual tive o prazer de conhecer em 1998, em João Pessoa, PB), Frank Cho, J. Campbell, Jim Lee, Mike Mignola, Barry Smith (outro grande), Doug Chiang (Concept Artist de Star Wars) pelo fato de estar estudando Concept Art atualmente; Serpieri, Will Eisner, David Mazzucchelli, posso passar vários horas falando em vários. Mas posso destacar os que me dão mais inspiração: David Mazzucchelli, John J. Muth, Jean Paul Leon e Milo Manara pelo realismo no desenho, Frank Miller pelas sequências, Alex Ross pela pintura, Moebius pelos detalhes e cores pastéis, John Buscema pela força na ação. Infelizmente, hoje em dia não curto os atuais, pois vejo uma mesmice nos desenhos. São quase iguais, com os mesmo estilos, sem novidades.

Consegue avaliar uma evolução nos quadrinhos (ou involução) dos superseres de outrora com os atuais?

Jaidelson: Eu acho que explicar um superser humano, herói ou vilão, com detalhes demais, deixa o roteiro enfadonho. Explicar sobre a física quântica que transformou aquela pessoa em super humano em detalhes demais, não gosto muito. Sou das antigas onde um cara é exposto a radiação gama e vira um Hulk, um  soldado toma um soro e vira O capitão, simples assim. Não sou contra explicações e de como ele adquiriu seus dons ou poderes. Faz uns bons 15 anos que não compro revistas, salvo as clássicas ou reedições. Duas que se destacaram para mim, na época, foram Camelot 3000 e Watchmen, roteiros e artes fantásticas, e sem deixar de lado O cavaleiro das Trevas, de Frank Miller – uma obra de arte. Eu deixei de comprar porque estava vendo explicações demais, roteiro de menos e arte comercial demais. A originalidade nos desenhos se perdeu. Isso é meu ponto de vista, posso estar errado por não ter acompanhado as HQS nesses anos.

 

Além de Conexão Terra, havia outros projetos que foram interrompidos e pretende retomar?

 

Jaidelson: Conexão Terra está passando por uma releitura mais atual, com desenhos atuais e estilo diferente, roteiro revisado e será uma série. Terá um final surpresa. Há uns personagens que criei na década de 80 chamados Patrulha Lunar, bem influenciado pelos filmes de ficção da época, principalmente Aliens, O Resgate, mas que tem uma boa sacada para revisões e atualizações – acho que dá uma boa HQ. Atualmente, de 10 anos atrás, junto com minha esposa Sílvia, desenvolvemos duas estórias muito boas. Uma se passava na Idade Média, de terror, chamada Olhos da Lua, sobre um homem atormentado por ser um lobisomem. E outra historia escrita por ela, cujo roteiro infelizmente se perdeu, chamava-se Ada Madonna, e era ambientado num vilarejo na Itália. Uma temática voltada à fantasia e se passava na propriedade de uma senhora chamada Ada, onde envolvia a relação dela com o mundo das fadas. Ainda tenho fragmentos dessa narrativa e pretendo voltar em memória de Sílvia. Outra era sobre um agente altamente treinado e tinha o título provisório de Agente do Destino, mas não havia roteiro, só ideias.

Para encerrar a entrevista, qual legado espera deixar para essa geração, de um modo geral, de leitores e quadrinhistas?

Jaidelson: Eu sou apenas um artista que gosta de desenhar e contar historia. O que posso ou espero deixar? Espero que eles se divirtam lendo as HQS, gostem dos desenhos e se inspirem a continuar. Espero mostrar o que aprendi nesses 30 anos afastado da PADA, e colocar minha experiência nas HQS. Mostrar que nunca é tarde pra mostrar o que você sabe fazer. Estou com 51 anos hoje, muito diferente daquele jovem de 16 anos, dos idos de 1986, quando conheci vocês. Mas o sonho e a diversão em contar narrativa continuam o mesmo daquela época, dos 16 anos, e isso nunca vai envelhecer. Mostrar meus desenhos, pinturas digitais, o que eu aprendi, passar técnicas e me apresentar para o mercado digital, nunca vai ser tarde. Não só para o mercado de HQS, mas para o mercado de ilustração, em geral. E aprender sempre, esse é o segredo. Você nunca vai ser o melhor, porque vai está sempre aprendendo, mas vai ser sempre o melhor no que você sabe fazer. Grato pela oportunidade de está aqui de volta.
VAMOS PRODUZIR E NOS DIVERTIR CONTANDO HISTÓRIAS.

Abraço a todos, e fiquem na paz.

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